terça-feira, 16 de junho de 2015

Dança

Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Vi mulheres se calando
A mão do trabalho é calejada
A luta é um processo diário
Sigo sorrindo e não me calo
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Só para escurecer o caso
Não sou de beleza efêmera
Não sou musa Pau Brasil
O meu olhar atravessa muito mais do que por aí se ouviu
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
A tatá índia de cócoras fumava cachimbo
A vó só pintou os cabelos depois de viúva
As mulheres negras da família guardaram muito e falam pouco
Eu mais escrevo do que falo a torto
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Bebo de reminiscências tantas
Mulher pula fogueira e queima os dedos
O cheiro do abacate ecoa no terreiro
Caiu de maduro o embaraçado do cabelo
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Desbotada na saída
Meio confusa, nem cafusa nem mameluca
Tá mais para negra do que branca essa moreninha
O cabelo é crespo, mas é clarinha
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Esse corpo carne terra pensamento é meu
Minha matéria é sede que sedia escolhidos abraços
Penso em beijar minha menina na rua
Já cantei a pedra de que no olho da rua mulher é mesmo nua
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Abaixo da linha do equador
Sou mulher que já não beira tanque
Já não sei o que é  muque de bater pilão
Não sei de um tanto, mas minha boca já pode falar não
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Saber o não elas sempre souberam
Vi mulheres de verso mudo em grito e em pulo
O poder é que podia pouco
Hoje o empoderar delas quebra o oco
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Sou mulher de cores fortes riscadas
Tenho cicatrizes lambendo o pescoço
Pés quebrados e vertebras amassadas
Mulher de carne e osso desafiada a ser por mim mesma amada
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Sigo sorrindo e não me canso
O grito é eco ancestral
Me chame, amor, para fazer revolução
Aí mora o prazer da minha canção
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
A mulher que sou evoca o corpo-espaço
O corpo-território é fronteiriço
Não, sinhozinho, não vou amamentar seus alvos meninos
Meu leite é vermellho sangue, força, mote de destinos
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Me chame, amor, pra fazer revolução
Que eu sigo sorrindo na luta
Na ponta de minha lança eu também falo de fé
Sigo, mulher, a carregar bandeira e axé
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Negra itinerante cortei mares de outrora
Índia inerência,  antropófaga brasileira
Mineira de Jeje, Banto, Nagô e respostas
Itabirana de melancólica liberdade autófaga
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Mulher no corre, na lida, na gira desgarrada da tribo
Miro a sina e a água que brota regando as retinas
Linha do tempo destrincha o contemplado
Só o amor resgata o que já foi rasgado
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Vi mulheres dançando na ventania vã
Minha paz é preta e a sorte é tempestade
Sigo ritmando no contratempo
No corre do sustento intento e invento
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Tire o seu racismo do caminho que eu quero passar
Tire o seu machismo do caminho que eu quero passar
Tire o seu vacilo do caminho que eu quero passar

Que eu vou passar de mãos dadas com meu amor

Axé!


Ser a dor. Viver a dor. Ser árvore. Envergar e jamais quebrar. 
Ser o choro. Embriagar com cada lágrima. Ser retina. Abrir o olhar e mareiar para limpar.
Ser o sangue. Viver o sangue. Ser cinzas. Queimar e renascer do pó.
Ser a água. Embriagar com todo canto de mar. Ser raiz. Entranhar com fluidez para encharcar. 
Mirar o sorriso do vento.
Beijar os olhos da Lua.
Comer da memória.
Enloucrescer pela dor e pelo amor.
O horizonte é pra quem tem veias abertas e poesia nos ossos.