terça-feira, 13 de outubro de 2015

NA BOCA DO GATILHO

Minha arma é a palavra!
Bala-poesia-gatilho-verbo...
Escolhi falar com sapiência e gritar se for preciso.
Não vou mais guardar palavras, não vou mais tropeçar na invisibilidade.
Até o fim eu vou soltar tudo que guardamos aqui há 500 anos ou mais... ou mais...
E se as palavras cessarem eu soltarei a voz com meu cabelo CRESPO, com meus olhos INDÍGENAS, com minha pele MESTIÇA e com minha bunda NEGRA.
Sem pedir permissão eu vou verborrasgar e verborragir até o fim...
Para que um dia essa luta ecoe, para que um dia essa luta acabe e, transmutad@s, possamos ESSENCIALMENTE amar.

Esse escrito pintado de resistência é por que nessa semana que passou foram somadas três horas de tiros na porta da minha casa. Quem atira e morre são os meninos. 13, 14, 15, 16 anos e fim. Essa história começou antes mesmo da colonização desse Brasil.  A casa grande não descansa e a escravidão ainda ecoa por aqui. Engasgo. De cara com a bala não há o que fazer. Tem que se fazer é antes, mas tem que se fazer. Tenho só um peito cheio de poesia e esse texto não é protesto nem nada, esse texto pode ser até mesmo utopia de estudante de uma universidade federal qualquer, mas esse texto pode ser acesso também e quem tem acesso toma as rédeas de sua própria vida. Esse texto é pra entender que as falas d@s outr@s são nossas também. Tenho só um peito cheio de poesia e olhos que veem... Tem muita gente precisando ser vista, muita gente. Tenho só um peito cheio de poesia e não vou pedir licença pra disparar essas palavras.


Bala-poesia-gatilho-verbo... na boca do gatilho minha arma é a palavra!

sábado, 10 de outubro de 2015

ManifestA

Qual... 
Mulher se (re)inventa a cada esquina, a cada curva branca centro-sul.
Não importa se pelada ou de burca, no olho da rua mulher é nua!
Mulher nua manifesta vozes diversas.
No oco da linha do tempo (re)existimos.
Outrora esculachadas, queimadas, segregadas, coisificadas, condenadas, silenciadas... sem nome diante do patriarcado.
AGORA (re)nascemos qual mulher bruta-flor, mulheres desdobráveis.
"Sexo frágil é o caralho", quero ver quem é que vai carregar essa bandeira pesada e, assim como nós mulheres, ainda ter brilho no olho e peito aberto. Qual é seu grito?
"E a menina ainda dança!"
Qual...
Mulher é força enraizada, segue envergando sem quebrar.
Eu, mulher, "cara de Camila Pitanga reivindico AGORA meu direito de ser negra, reivindico meu direito de ter e ser black".
A minha bunda e a minha opinião são luxos exclusivamente meus.
Negra soy e não Carolina Dieckman - uma peruca loira e lisa. To black or no to black? Negra sim!

Vai ter mulher andando nas ruas mesmo sendo noite, mesmo sendo invadida com palavras e olhares ejaculados - sem pedir licença - nas nossas caras!
Mulher segue mesmo com tanto autoritarismo nesse país de samba e gol, mesmo com tantas fronteiras, mesmo com tantas barreiras, mesmo vendo que o Estado ainda não é laico e lamentando a falta de leis que nos guardem. Homofobia, transfobia, racismo e feminicídio são crimes sim. Olha em volta, ouça os relatos, basta.
Mulher, segue! Por favor, segue! 
Mulher segue mesmo vendo a polícia brasileira matar mais de três mil por ano.
Mulher segue mesmo com tantas filas e massas manobradas pela mídia, mesmo vendo uma criança negra ser apedrejada na cabeça por ser do candomblé (é por isso também).
Mulher segue entre espinhos, entre ameaças, entre perseguições, entre violações, entre olhares e mãos que tentam invadir, matar e retalhar.
A mulher segue e se (re)inventa para sobreviver. (Re)inventamos nossa visibilidade na história! 
Cicatriz um dia já foi dor, mas AGORA é marca pra lembrar de agradecer e ser guerreira todos os dias.
Mulher segue com graça, com garra, segue do jeito que ela quiser!
Qual...
Mulher segue nua no olho da rua nua, absoluta, impetuosa e poderosa.
Vê se para um pouco e repara no que ela tem a dizer! 
"Tem mulher com a mão pro alto pra fazer revolução!"

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Criação

Por dentro, tatuagens que ninguém consegue ler. 
Por fora, uma coluna riscada de azul até o cóccix, um dia de sol, um espelho fora de ângulo, uma música em 7 e algumas cicatrizes. 
É que esse desenho da vida mora nas nossas próprias mãos. 
Teimo, ouso, abismo-me e crio eu mesma a criação.
Vida é risco e tem a cor que a gente escolhe. 
Viver por vezes rasga a gente e dói mesmo, mas se não cai a casca não há ser que voe.
O próximo risco é asa em pé de vento.
Meu coração é azul.


domingo, 6 de setembro de 2015

Lua Azul

Eu quis te dar uma canção
Mas, escuta menina, mira a lua
Que já traz no ventre a melodia
Deixa ser, mergulha e me escancara o riso
Seu olhar é prosa, farol e mel
Sem bebê-lo me consumiria
Menina mina de água
Signo de água que vem pra me contar
Que gente é pra se dar
Eu quis provar do teu olhar
Mas, escuta menina, quão profundo é mergulhar
O mar de amar nos despiu
Abissal é o luar de quem nessas águas se banhou
O olhar rasga e arrebata meu coração de poeta

Lótus enraizada
Fogo em água transformada
Há que ser inteira pra descobrir
Que depois do mais profundo é o mar
Que depois do mais profundo é amar

Sempre o mar

Nosso amor começou e terminou no mar.
Foi lá, sem nos darmos conta, que ele desaguou com as oferendas pra mãe d’água.
Era fevereiro.
Demorei seis meses para conseguir escrever sobre o que foi esse amor com gosto de sol, amor feito cavalo alado... Hoje: amor transformado.
Foi no encontro do rio com o mar que eu deixei esse amor abrir as portas do meu coração ainda endurecido.
Tanta paz, caminhos longos, mãos dadas... um alento na alma empoeirada.
Já disse, meu bem, seu maior legado em mim é sem dúvida a bondade.
Desse amor levo e quero o bem!
Sim, fomos felizes e selamos nossa união pelo poder da escolha e da verdade.
Pela escolha e pela verdade da felicidade é que, também, nosso amor se despediu... se despediu não, se transformou, é que elo  assentado em fogo não se desfaz.
Olhar pra trás é de mareiar olhar e encher o peito de gratidão.
O sal das lágrimas se faz feito gosto de mar, sempre o mar...
O mar me prega cada peça e meu coração inquieto serpenteia malemolente.
Isso deve ser por morar em minas montanhosas... é engraçado o que é o mar em mim.
Nosso amor se transformou em canto fraterno em um fevereiro melodioso vivido beira-mar.
Hoje aprendi a mergulhar.
Sou grata e as palavras escorrem em meu rosto com amor e gosto de sal.
(Des)carrego!


sábado, 5 de setembro de 2015

De subida ao pico

Piso e repiso o chão que abarca rostos de brio manchado
Memórias, afetos, construções, crateras, pó
Volto e revolto respirando o brilho entrecortado de minha cidade empoeirada
Para além do que meus olhos veem, há falta
Há cercas acerca de toda fagulha de liberdade
A geração de Ana já nasce cercada
São outras conexões que esses novos olhares alcançam
Já nascem sem ver o que é mesmo o pico do amor
Não vão ver nem sequer deslumbrar
O que é o pico livre sob a luz do pôr do sol

Negra Rima

Ela é preta
É negra da rima
Carrega seu corpo-estandarte aonde vai
Voz de reação
Chama pra ação
Ela é mulher e grita pelo que quer
Ela é mista
Índia da periferia
Carrega a revolução entre os dentes

A luta ainda não findou
E ela segue protegida

Tem sangue da Dandara
Tem sangue de Mairum
Tem sangue de N'zinga
Carolina, Cora, Pagu

Escreve história nas linhas da lida
A sua luta tem suingue de mandinga
Ginga na canção
Marca geração
Seu corpo é luz e vence a escuridão
Seu riso branco vence qualquer demanda
Ela tem um olhar de flecha certeira
Seu canto é revolução
Faz água brotar do chão

A luta ainda não findou
E ela segue protegida

Tem sangue da Dandara
Tem sangue de Mairum
Tem sangue de N’zinga
Carolina, Cora, Pagu


por Maíra Baldaia e Elisa de Sena

terça-feira, 16 de junho de 2015

Dança

Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Vi mulheres se calando
A mão do trabalho é calejada
A luta é um processo diário
Sigo sorrindo e não me calo
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Só para escurecer o caso
Não sou de beleza efêmera
Não sou musa Pau Brasil
O meu olhar atravessa muito mais do que por aí se ouviu
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
A tatá índia de cócoras fumava cachimbo
A vó só pintou os cabelos depois de viúva
As mulheres negras da família guardaram muito e falam pouco
Eu mais escrevo do que falo a torto
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Bebo de reminiscências tantas
Mulher pula fogueira e queima os dedos
O cheiro do abacate ecoa no terreiro
Caiu de maduro o embaraçado do cabelo
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Desbotada na saída
Meio confusa, nem cafusa nem mameluca
Tá mais para negra do que branca essa moreninha
O cabelo é crespo, mas é clarinha
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Esse corpo carne terra pensamento é meu
Minha matéria é sede que sedia escolhidos abraços
Penso em beijar minha menina na rua
Já cantei a pedra de que no olho da rua mulher é mesmo nua
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Abaixo da linha do equador
Sou mulher que já não beira tanque
Já não sei o que é  muque de bater pilão
Não sei de um tanto, mas minha boca já pode falar não
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Saber o não elas sempre souberam
Vi mulheres de verso mudo em grito e em pulo
O poder é que podia pouco
Hoje o empoderar delas quebra o oco
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Sou mulher de cores fortes riscadas
Tenho cicatrizes lambendo o pescoço
Pés quebrados e vertebras amassadas
Mulher de carne e osso desafiada a ser por mim mesma amada
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Sigo sorrindo e não me canso
O grito é eco ancestral
Me chame, amor, para fazer revolução
Aí mora o prazer da minha canção
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
A mulher que sou evoca o corpo-espaço
O corpo-território é fronteiriço
Não, sinhozinho, não vou amamentar seus alvos meninos
Meu leite é vermellho sangue, força, mote de destinos
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Me chame, amor, pra fazer revolução
Que eu sigo sorrindo na luta
Na ponta de minha lança eu também falo de fé
Sigo, mulher, a carregar bandeira e axé
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Negra itinerante cortei mares de outrora
Índia inerência,  antropófaga brasileira
Mineira de Jeje, Banto, Nagô e respostas
Itabirana de melancólica liberdade autófaga
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Mulher no corre, na lida, na gira desgarrada da tribo
Miro a sina e a água que brota regando as retinas
Linha do tempo destrincha o contemplado
Só o amor resgata o que já foi rasgado
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Vi mulheres dançando na ventania vã
Minha paz é preta e a sorte é tempestade
Sigo ritmando no contratempo
No corre do sustento intento e invento
Negra Índia Brasileira Mineira Itabirana
Tire o seu racismo do caminho que eu quero passar
Tire o seu machismo do caminho que eu quero passar
Tire o seu vacilo do caminho que eu quero passar

Que eu vou passar de mãos dadas com meu amor

Axé!


Ser a dor. Viver a dor. Ser árvore. Envergar e jamais quebrar. 
Ser o choro. Embriagar com cada lágrima. Ser retina. Abrir o olhar e mareiar para limpar.
Ser o sangue. Viver o sangue. Ser cinzas. Queimar e renascer do pó.
Ser a água. Embriagar com todo canto de mar. Ser raiz. Entranhar com fluidez para encharcar. 
Mirar o sorriso do vento.
Beijar os olhos da Lua.
Comer da memória.
Enloucrescer pela dor e pelo amor.
O horizonte é pra quem tem veias abertas e poesia nos ossos.



domingo, 24 de maio de 2015

abisme-se

me lembro do dia em que fiquei brincando em um balanço sob o céu daquela cidade estrangeira, aquele estar era um afago no peito aberto.
me lembro da sensação de gangorra, sensação de voo, sensação de céu... coisa linda... me vinha um misto de melancolia e liberdade... vontade de nunca ser ave em gaiola... vontade de só ser!

de um voo em gangorra...
de um pulo no tempo e espaço: o sonho...
de vários voos sonhados em pulos...
vem disso e um tudo mais esse texto torto e sem gramática.

a verdade arde nos olhos e penetra na alma como água benta.
culta puta pura nua lua... luar: com a língua machuca e cura!


abismad@s, seguimos voando mar adentro.
me lembro do dia em que sonhei que me jogava de um penhasco e ao pé de chegar ao chão eu conseguia, enfim, voar... estranhamente, era um sonho azul.
me lembro de dizer que o azul é muito simbólico... tenho alguns escritos sobre abismo...
 
esse mergulho é raro! depois do mais profundo é o mar.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

At Last ou para falar de enloucrescimentos

Dessa vez decolei sozinha.
Alone... Não havia homens fartos nem mulheres pálidas ao meu lado.
Alone... Como na música, como na foto sobre as águas, como na saga de todo ser humano.
Diz o ditado que nascemos sozinhos e sozinhos morremos.
Dizem os meus pais que o mundo é grande e para o mundo me criaram.
Essa essência plantada em pé de vento é sina tal qual a solidão das mulheres.
Quando viajamos abrimos todos os olhares da alma, olhares outrora adormecidos.
Ah! Aretha nos rasga os olhares do corpo quando canta At Last e nos diz que a solidão se foi...
Enfim!
Viagens são grandes transmutações, o resto é conexão e sempre choro na partida.
Sou pura água mesmo sendo fogo amassado no barro.
Estar só nessa partida de Hartford à Atlanta é simbólico.
Há um bocado de inteireza na solidão. Estou repleta!
Ah! A música que vem dos negros também me fala dessas conexões.
O mundo é mesmo vasto e abissal.
Voltar de Berlim doeu como dar à luz, mas voltar de Hartford doeu como nascer, deram-me a luz...
Escancarar as retinas e se permitir ver o agora até que dói um tanto.
Há aí um muito a desnudar-se, muito a desdobrar-se...
De fato já li que isso é inerente à bandeira que a mulher carrega.
Sob o azul, entre.
Sobre a cidade esmaecida em tapete de nuvens, entre.
Entre o muito denominado céu!
Às vezes a vida precisa mesmo de um tempero dolorido para percebermos o doce que as ondas do mar carregam.
Sim, o mar é o chão enquanto decolo céu afora.  Quanto risco!
Because... Explicação não é palavra que pertence a este léxico.
Cara, vou te contar que Hartford é um afago e Nova York é um estrondo! O mais são as pessoas, os olhos de toda a gente, os desejos de toda a gente e os sorrisos...
Penso mesmo que colocar o pé no mundo é sina. Axé!
A felicidade mora mesmo é nas entrelinhas.
Quanta ironia eu ser alérgica à pimenta e à canela.
A vida é irônica quase sempre e meu coração é 100% contradição... Aceitar é crescer também.
Cara, vou te contar que ver os olhos mareados das pessoas mundo afora ultrapassa os muros da linguagem e das diferenças.
Em todo canto tem gente que pulsa, que se emociona e que mergulha.
O mais é o pôr-do-sol na estrada cortando muros pixados.
O mais é o pôr-do-sol na gangorra cortando árvores e céus.
O mais é o pôr-do-sol sentido da pequena janela do avião... Lá fora e aqui dentro: solidão e plenitude cortando a imensidão do azul.
Enfim...
Comi de todos os sinais que essa viagem me deu, estou nua e o que fica de fato são as conexões essenciais.
Botei pra fora um olhar menos preconceituoso, mais militante, menos idealista, mais sonhador, menos endurecido, mais corajoso, mais doce, mais avassalador.
Viajar é se reconectar com nossos próprios olhares.
O mais é tempo, música, poemas. Non, je ne regrette rien.
Prometo seguir cometendo erros, por vezes serão os mesmos, mas não vou mergulhar mais raso por isso.

E para arrematar esse texto passional, Cesaria canta Sodade derretendo meu peito dual enquanto pouso em terras brasileiras.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Maré enluarada

Mulher é lua.
Sabe quando estamos beira mar e vê-se a lua cheia refletida na imensidão das águas?
Então, isso é mulher! Esse acontecimento...
Não se engane, mulher é loucura.
Mesmo quando reprimida há uma profusão de sedes na mulher.
Mulher é onda. Quando te bate na cara cura e machuca em um reflexo só, liquefaz.
Mulher é lua.
Lua que sangra transmutações.
Lua animalesca, lua cíclica.
 Mulher é dor. Mulher atordoa a dor.
Mulher é calma.
Mulher é água, bubuia, mergulho.
Sabe quando lavamos a alma na queda brava da água doce da cachoeira? Então, isso é mulher!
Mulher é louca.
Eu, mulher.
Eu sou!

domingo, 19 de abril de 2015

Texto em primeira pessoa

Meu coração é um idealista inquieto, mas tanto quanto meu nome é fogo meu ascendente é de elemento terra. Cabeça na terra, pés ao vento.
Meu coração é inquieto.
Durmo pouco, acordo sorrindo.
Viver é um gozo, acordo tapiocando o paladar, durmo pouco.
Ao pé do morro: seis meninos mortos.
Ao pé da estrada: engole o choro e vai ser leve na vida.
A vida é realidade, a realidade é dúbia, eu sou dual.
Choro de saudade, choro de um peito rasgado em outras vidas, choro com as manchetes, a realidade é nua tal qual a mulher.
A mulher desnuda, a mulher floresce carne, poesia e caos.
Sou mulher e a realidade engasga.
Até quando eles vão bater na minha cara?
A rua entorpece, revolta, correria, força.
O dia segue morno na academia de artes de uma universidade federal qualquer.
Será que eles veem, mulher?
A noite chega fria, mas o chá é quente.
Pés no vento e na utopia de gozar de um teatro engajado.
Questões, questões, questões, viagens.
Dedos mornos na nuca.
A cada dia corto mais meus cabelos. E os desejos?
Ao pé do morro: seis pessoas queimadas e o panelaço bota comida na goela de alguém? De quem?
Meu coração é inquieto.
De noite já não durmo, minha linha alba esquenta, esfria e estremece.
Penso muito e falo às vezes.
Às vezes verborrajo, verbo ajo, verbo rasgo e esse tesão criativo é teatro?
Sigo mulher negra vomitando palavras, tenho comida na mesa todo dia!
Sigo no MOVE lotado e minha cabeça move no sentido contrário.
"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura..."
Ah, meu coração sangra todo mês e é inquieto por demais.
Durmo pouco, acordo sorrindo.


No olho da rua, nua!

Andando pela rua, mulher tem que correr
No olho da rua mulher é nua, no olho da rua mulher é nua
Andando pela rua, mulher vai trabalhar
No olho da rua mulher é nua, no olho da rua mulher é nua
Sou mulher cansada de tanta invasão
Já chega, chega de fiu fiu
Sou mulher cansada de tanta invasão
Meu corpo, meu corpo é meu espaço. Sou mulher!

No olho da rua mulher é nua, no olho da rua mulher é nua
Então, canta mulher!
Se liberta!
Então, vai ser mulher!
Se completa!
E assim sua alma vai falar...
E assim sua alma vai gritar...
Chorar não muda o sentido dos ponteiros!

Salve as Ayabás! Salve Oxum! Salve Iemanjá! Salve Obá! Salve Iansã! Salve Ewá! Salve a criação-molde de Nanã!
Salve a mulher... mulher da luta, mulher da rua, mulher do dia, mulher da resistência, mulher negra!
A rima é na rua, é toda hora, é toda nua, é toda gira. Salve!

No olho da rua mulher é nua, no olho da rua mulher é nua
Não venda sua opinião
Seu corpo, suas regras
Se erga e vista o que quiser
Confie em você, mulher
Raiz, saber, poder e ação
O olhar da luta só vê quem de luta é

Mulher calada, cabeça baixa - Não!
Me fortaleci com força e fé, sou mulher!
No olho da rua mulher é nua, no olho da rua mulher é nua
Hoje eu não seria nada se não fossem as guerreiras de outros tempos
O olhar da luta só vê quem de luta é

No olho da rua mulher é nua, no olho da rua mulher é nua


(por Maíra Baldaia e Lucas Costa)

Espelho d'água

Ela tem um brilho no olhar que é só dela
Seu olhar silencia o meu
Sob uma boa luz seu rosto é tomado pelas mais perfeitas sombras
(Ah) o que faz dela mais bela ainda
Quando ela sorri é de peito aberto
Daquele jeito assim que só se vê quando carrega verdade na alma

Quando o segredo das entrelinhas e das linhas das suas mãos
Já não é mais segredo
Os versos escorrem do sol
Quebram ondas na retina
E ela lá, caminha...

Ela tem um olhar que chora e que é só dela
Apesar de tantos e de tudo
Ela quer ter pra quem cantar
Quer ter por onde ensolarar

Quando o segredo das entrelinhas e das linhas das suas mãos
Já não é mais segredo
Os versos escorrem do sol
Quebram ondas na retina
E ela lá, caminha
E ela lá, só, caminha.
E ela lá, caminha...

Avoadeira

Nega, nega, nega, vai voar!
Sina da gente é mesmo o amor.
Ôh, nega!
Nega, nega, nega, vai voar!
Viver de verões...
Um pé aqui, outro acolá!
Beber do simples
Espiar o mar
Sereia da noite espreita o caminhar
Crescer no embalo
Se transformar
Sorriso é coisa da gente não largar
Nega, nega, nega, vai voar!
Sina da gente é mesmo o amor.
Ôh, nega!
Nega, nega, nega, vai voar!
Viver de verões...
Um pé aqui, outro acolá!
Leva na mala todo aquele céu de chita
E segue a trilha de mãos dadas
No presente faz a rima
Ôh, nega!
E quando pousa é o destino que se pinta
Dança pela entrada azul e branca
Olhar de quem acredita
Nega, nega, nega, vai voar!
Sina da gente é mesmo o amor.
Ôh, nega!
Nega, nega, nega, vai voar!
Viver de verões...
Um pé aqui, outro acolá!

Canto da pedra que brilha


Por ser de lá que eu não ando sem os pés no chão
Que eu não faço todo dia menos de uma oração
Por ser de lá que eu não deixo de olhar o tempo
Que o vento brilha reluzente em pedras no chão
A pedra no caminho só ergue
Um coração que é de poemas não se esvai
A pedra de Drummond não é só dele
É canto de um povo e esse povo não morre mais 
Por ser de lá que eu me miro em pôr-do-sol
Por ser de lá de onde as pedras sempre brilham
Que eu não respiro, mas não deixo de caminhar
Num desatino nunca deixo de sonhar
Por ser de lá que eu não brinco em conversa mole
Mas o riso frouxo também vem me acarinhar
Por ser de lá é que eu peço todo dia
Pro pensamento não deixar de me avoar